Quando falamos em música impactante, vez ou outra citamos Slayer como uma das referências. A banda americana de thrash metal tem como principais características a velocidade e agressividade – tanto na sonoridade quanto no conteúdo das letras.

Uma banda estadunidense com um frontman latino, formada nos anos 80, quando a Guerra Fria e o medo nuclear eram pautas constantes, não poderia ter um resultado diferente: a violência (física, verbal e simbólica) é um dos principais temas abordados pelo grupo.

Tom Araya, vocalista e baixista do Slayer, durante show em 2014
O vocalista/baixista Tom Araya, em abril de 2014, em Los Angeles. (Foto:Frazer Harrison/Getty Images)

Símbolos religiosos, mitológicos e do imaginário popular são subvertidos ao extremo, como uma forma de metáfora para o momento político e cultural da época – o punk já era tido como referência de movimento contracultural. Preconceito, fundamentalismo religioso e militarismo estão entre os temas favoritos do grupo, ainda que por vezes utilizando metáforas e outras figuras de linguagem

Quase vinte anos depois da sua formação, no entanto, Slayer lançaria God Hates Us All – disco que faria com que a banda abraçasse o caráter político das letras – ainda que involuntariamente.

Isso porque God Hates Us All foi lançado no dia 11 de setembro de 2001.

Imagem do Ground Zero, durante o atentado do 11 de setembro, data de lançamento de God Hates Us All
Ground Zero, em NY: o ponto de impacto dos aviões no dia 11/09/2001

Ataque à religião

“Eu considero o que nós fazemos como arte”, explica Tom Araya, vocalista da banda “e arte pode ser um reflexo da sociedade. Nós escolhemos falar sobre os reflexos negativos”.

“A maldade está por toda parte, cara”, ele continua “[…] independentemente do que você acredita, todo mundo sabe que existem coisas erradas. Coisas que não se faz. E as pessoas que não entendem isso, não estão conectadas consigo mesmas nem com o que elas acreditam”.

Este recorte de entrevistas dadas por Tom Araya durante e depois do período do lançamento do álbum, evidencia uma perspectiva interessante: o caráter antirreligioso das músicas não é literal, mas uma ideia de exercício da liberdade de expressão.

Nos anos 80 era difícil abordar temas políticos por conta da constante tensão da Guerra Fria e o conflito ideológico acirrado. Era mais fácil utilizar símbolos – principalmente relacionados ao satanismo – para expressar o que acontecia ali. Satã é uma figura associada ao mal, e qualquer um consegue compreender isso.

Respeitadas as devidas proporções, é semelhante ao que aconteceu com os artistas brasileiros durante o período da ditadura militar, embora nossa censura aqui fosse mais severa e com consequências diretas aos artistas.

11 de setembro

A primeira música do disco, cujo nome é Disciple, deu nome ao álbum e traz um refrão ultra agressivo que repete a frase god hates us all.

O fundamentalismo religioso estava em pauta, escancarado pelos ataques que ocorreram no dia em que o álbum chegou às lojas. Mas aquele dia carregava (e ainda carrega) uma simbologia mais abrangente.

Tom Araya é chileno – e foi para os Estado Unidos como imigrante quando tinha cinco anos (por volta de 1966). Para ele, e em sua memória, o dia 11 de setembro tem um significado especial no ataque à Liberdade de Expressão. Em 11 de setembro de 1973, o Chile sofria um golpe de estado, iniciando uma ditadura militar que duraria até 1989.

Por coincidência, a data ganharia um novo significado por conta dos ataques ocorridos em Nova Iorque e Washington no dia do lançamento do álbum, e as letras contidas no disco passaram a ter uma interpretação quase literal.

Como consequência, na Colômbia, o recém-eleito presidente Álvaro Uribe Vélez declarou as Forças Armadas Colombianas (FARC) como uma organização terrorista e iniciou a maior operação militar para deflagrá-los, até então. Sobre este conflito e esta situação, vou me limitar a deixar algumas referências ao final deste texto. Não sinto que tenho conhecimento teórico suficiente para abordar um desdobramento político dessa magnitude.

O que torna esse álbum tão bom?

God Hates Us All é um excelente disco por si só, mas o contexto em que foi lançado mostra como a arte é um recorte da vida, e às vezes dois temas se cruzam. Particularmente, este é meu álbum favorito do Slayer, por conta do peso cultural e do conteúdo ácido e preciso.

Um retrato das causas e consequências da Guerra ao Terror, com críticas ao fascismo, fundamentalismo religioso, preconceito e conservadorismo.

Tom Araya é… católico?

Quando questionado sobre o polêmico título do álbum (deus odeia todos nós), e o conflito com sua própria fé, o vocalista, que é católico, deu uma explicação simples e direta. “Deus não odeia. Mas o título é bom pra caralho. Acho que vai irritar as pessoas que queremos atingir”.


Apêndices

Slayer e a relação com o satanismo (em inglês)

Slayer em entrevista no dia 23/09/2001 (em inglês)

Discurso de Salvador Allende, presidente do Chile, no dia do Golpe de Estado (e da sua morte)

https://www.marxists.org/portugues/allende/1973/09/11.htm

11 de setembro e as consequências na Colômbia

https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/15078/na-colombia-11-de-setembro-favoreceu-ascensao-da-ultradireita-e-internacionalizou-conflito-interno


E você, o que acha sobre o disco? Se eu falei alguma besteira ou se você tem algo a acrescentar, deixe nos comentários! 🙂

10 comentários sobre “Slayer e o 11 de setembro: God Hates Us All

  1. Iuri Cupertino disse

    Tom Araya por ser um líder de uma banda de metal que sempre ”pregou” temas contra-cultura e atualmente é apoiador de um governo conservador liberal, põe quase tudo que criou por terra. Nos últimos anos ele foi proibido de bater cabeça por ter tido um problema na coluna, acho que isso afetou outros áreas.rs É triste, mas não deixa de ser uma BAITA banda. Belo texto Jorjão, continue firme nas escritas!

  2. Kessia Lucas Rodrigues disse

    Caraleo. Vou até ouvir agora. Até quando as pessoas se enganam ao falar que são tolerantes quando realmente não são?! Foda!

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